quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ele desceu!

"Ah, se tu rompesses os céus e descesses!
Os montes tremeriam diante de ti!
Como quando o fogo acende os gravetos e faz a água ferver,
desce para que os teus inimigos conheçam o teu nome
e as nações tremam diante de ti!" [Isaías 64:1,2]

Finalmente, o clamor do profeta foi ouvido. Deus desceu. Se mudou pra Terra sem mala nem cuia. E nós, seus inimigos, conhecemos seu nome. Não satisfeito, mudou-se de novo, agora, pra dentro de nós, definitivamente!

O Natal não é apenas mais uma festividade no calendário cristão. É a inesquecível lembrança de um dos momentos mais dramáticos da História. É o culminar das contrações do ventre de um Deus "que amou o mundo de tal maneira..."

Enquanto celebramos este Natal com nossas famílias e amigos, não nos esqueçamos de que Jesus ainda precisa ser conhecido por milhões de pessoas do planeta visitado, que, embora estejam celebrando a Noite Feliz assim como nós, talvez não entendam o que significa "... que deu seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna."

"O Deus de poder, enquanto percorria
Em suas majestosas roupagens de glória,
Resolveu parar; e assim um dia
Ele desceu, e pelo caminho se despia." [George Herbert]

Feliz Natal!

domingo, 18 de outubro de 2009

Fraco e Forte

Fraco que nem uma linha
Forte que nem um barbante
Mais forte que uma pedrinha
Mais fraco que um diamante

Mais fraco que pouca força
Mais forte que muita fraqueza
Mais forte que uma moça
Mais fraco que sua beleza

Tão fraco quanto alguém
Mais forte que nenhum
Tão forte quanto ninguém
Mais fraco que qualquer um

Pra uma vida tão morte
Pra uma morte tão vasta
Só um amor de tal sorte
Só uma graça que basta

Quando nem força pra rima
Quando tão fraco pro choro
Fortemente fraco então
E fragilmente forte enfim

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sentimentos, perspectivas e... situações

Situações nesta vida me fazem sentir
Que não sou forte ao ponto de até resistir
Nestes terríveis momentos
Os maus pensamentos me querem levar
A um extremo de vida
Que meu equilíbrio se deixa enganar
Instantes que se prolongam tentando mudar
Tudo que já se fez novo, pois Cristou mudou
Tentando hoje trazer o que eu tento esquecer
Sou vencedor e ninguém poderá me deter
Pois eu sei que jamais eu provado serei
Além do que eu possa suportar
E se ainda eu cair e pensar que é o fim
Jesus me ergue e segue junto a mim.

[Situações - Grupo Logos]

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Meu Sim

Há um mês atrás eu disse sim. Mas como sou prolixo, jamais conseguiria usar apenas uma palavra, principalmente, uma palavra de três letras, pra reconhecer publicamente minha incapacidade de ser feliz sozinho. O dia estava perfeito, feito pra mim e ela. Era 24 de maio de 2009. O lugar era claro e vibrante. A família, os amigos estavam lá. Eu até achava que em algum dia isso aconteceria comigo, mas nunca me permiti tanta expectativa.

Ela estava com sua beleza em realce. Toda minha atenção pra ela e todos fazendo coro a isso. Parecia um sonho, sim, parecia um sonho. Eu ali decidido a amar aquela mulher pra sempre enquanto dizia pra mim mesmo que não seria capaz de tanto amor. Logo ela que tanto amor merece, logo eu que tão limitado pra amar sou. Seu olhar parecia me convencer de que havia uma fonte de amor em algum lugar tão perto de nós.

Ah, Deus! Este sempre tão bondoso comigo. Me cercou de mulheres tão especiais. Me deu uma mãe fabulosa, a quem devo muito e jamais conseguirei pagar. Me cercou de irmãs adoráveis e tão disponíveis pra amar. Sem falar nas tantas tias tão queridas e presentes, nas dezenas de primas tão marcantes...

Sim, sou um homem de muitas mulheres. Mas a nenhuma delas escolhi, me foram dadas. E pensar que algum dia eu teria que escolher alguma pra dividir o tanto de vida que ainda teria me deixava tenso. Talvez nunca cri ter capacidade para tanto.

Mas com um empurrãozinho de Deus, escolhi Lucélia, não sem constrangimento, pois ela é muito mais do que eu mereço. Quando olho pra ela, vejo tanta força e doçura, tanta liberdade e dependência, tanta beleza e humildade.

Por isso, naquele dia eu a recebi, não como mais uma mulher, mas como a mulher da minha vida; a recebi como minha esposa, decidido a amá-la, respeitá-la, ser fiel e a me esforçar para ser um homem digno dela, decidido e desejoso de viver com ela todos os dias que ainda tenho pela frente, muitos ou poucos, permitindo que apenas a morte nos separe.

Os trinta primeiros dias já passaram. Que dias felizes! Dizem que pode ser ainda melhor. Então estou ansioso por viver os que ainda virão. Ah, Lucélia, como eu amo você!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Genial

Dias desses enquanto lia um livro, me deparei com uma pergunta intrigante: "Se você pudesse ter qualquer coisa no mundo, o que pediria?". Adormeci pensando qual seria a resposta mais sábia. De repente, abro os olhos e a luz ofuscante do sol combinada com seu reflexo naquele mar de areia quase me faz cegar. Não vejo ninguém, além de céu e chão compondo uma das paisagens mais grandiosas que já contemplei.

Estou num deserto desses de filme, desses da Bíblia, desses da África. Quero água e porta de saída. Começo a caminhar sem saber se é a melhor coisa a se fazer. Então, como nos filmes ou nos sonhos, o vento que suspende a areia revela uma dessas lâmpadas que a gente esfrega e liberta um gênio. Ao fazê-lo, claro, eis que surge essa figura mitológica me chamando de amo e agradecendo por tê-lo libertado de seus 3 mil anos de confinamento. Em troca disso, ele diz que pode me conceder 3 desejos.

Pensamentos circulam, vêm e vão, numa velocidade imensurável. Água e minha casa são meus desejos mais instintivos naquele instante. Mas buscando ser um pouco mais cauteloso, eu podia pedir coisas que pudessem trazer algum benefício a longo prazo. Ser rico e poder desfrutar a vida e ajudar muitas pessoas. A cura do câncer, da Aids. O fim da fome na Terra. O fim da violência. Eu queria muito saber o que pedir. Mas queria muito pedir para mim.

Estando naquele lugar sem saída, voltar pra casa já seria um pedido óbvio. Me restavam mais dois. Eu queria muito algo que ajudasse a arrumar a minha vida. Mas ao mesmo tempo queria muito resolver a vida da humanidade. Então, tive uma ideia.

- Seu Gênio, já tenho os três pedidos!

- Pois não, meu Amo, sou todo ouvidos.

- Um: eu gostaria de voltar pra casa. Dois: eu gostaria de ser o homem mais rico do mundo. Três: eu gostaria de encontrar um outro gênio no último dia da minha vida.

Este último pedido eu fiz pensando na oportunidade de ter outros três desejos realizados no fim da minha vida. Depois de desfrutar uma longa vida como um homem rico, eu ainda poderia fazer pedidos que salvassem a humanidade. Como sou esperto!

- Que seja feito como meu Amo deseja!! - bradou o gênio enquanto desaparecia em meio às brumas do deserto.

Subitamente, me vejo em casa, a mesma casa de sempre. Sou um homem rico, penso. Não há pressa. Posso desfrutar a vida. Então resolvi descer para uma caminhada na praia, como de costume. Ao pisar as areias da praia, que muito me lembravam aquele deserto, algo sob meus pés desponta. Ao abaixar para verificar, deparo-me com uma dessas lâmpadas que a gente esfrega e liberta um gênio...

O susto da constatação me fez despertar com o coração acelerado. "Graças a Deus, era um sonho!", foi o primeiro pensamento que me ocorreu. Depois, ainda assustado, voltei os olhos às páginas do livro que adormecera lendo e me deparei novamente com a pergunta "Se você pudesse ter qualquer coisa no mundo, o que pediria?". Ciente da minha incapacidade de responder sabiamente, tentei voltar ao sono.

E enquanto tentava voltar à metáfora da morte, eu pensava na vida diante de mim: minha fé, minha família, minha noiva, meus amigos, meu trabalho. Se esta fosse minha última noite, eu lamentaria não mais vivenciá-los, mas celebraria tê-los vivenciado. Pleno, adormeci...

sábado, 9 de maio de 2009

As mortes da minha vida

Eu tinha 7 anos quando minha vó, mãe da minha mãe, morreu. Tenho algumas lembranças dispersas da vida com ela. Os domingos que íamos à sua casa. Os domingos que ela vinha à nossa. Ela não era muito dada a crianças. Fazia de tudo pra nos manter fora da casa, brincando no quintal. Se irritava fácil com aquele bando de crianças entrando e saindo da cozinha, da sala, do quarto... Era conhecida como Dona Conguinha, embora na minha certidão de nascimento minha avó materna se chame Eutália Oliveira Alcântara.

No dia que ela morreu estávamos todos na casa da minha tia Gilce. Foi a primeira vez que alguém tão de perto morria. Pra mim, na verdade, foi a primeira vez que a morte fez sentido. Foi de repente. Ela sofreu um infarto. Tinha apenas 62 anos. Fui ao enterro e fiquei parado um bom tempo olhando pro seu corpo inerte no caixão. Eu tinha a sensação de que se ela quisesse, ela poderia se levantar. Era só fazer força. Pensava cá comigo: "Tá aí deitada porque quer". Acho que não entendia como se morre.

Depois disso, lembro-me da morte de um menino que morava no meu prédio. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e ele uns 4. Se chamava Glauber e sua mãe se chamava Raquel. Sua família se dava muito bem com a minha. Lembro de uma vez que sua mãe me pediu que o levasse até em casa. Fui conduzindo-o pelas escadas. Ele usava botas ortopédicas. Tinha um cabelo comprido e usava um rabo de cavalo. Enquanto subíamos as escadas do prédio, eu o assustava dizendo que tinha um bicho no final do corredor. Ele chorava e eu desmentia. Até assustá-lo novamente no corredor seguinte. Ficou doente e morreu. Não por minha causa. Já era mesmo doentinho. Tão menino. Fui ao enterro e me lembro de suas meias brancas e sua tia acariciando-lhe os pés. Não achava que estivesse ali deitado porque quisesse. Mesmo vivo, não parecia ter força pra morrer.

Quando eu estava na segunda série, morreu um menino da minha escola. Se chamava Orlando e era namorado de uma menina da minha sala que se chamava Adriana (como alguém que está na segunda série já tinha namorado?!). Era uma segunda-feira. Cheguei na escola e estava um alvoroço. Finalmente haviam encontrado o corpo do menino. Ele saiu para pescar na semana anterior e se afogou. O corpo ficou desaparecido por alguns dias. Rumamos todos da escola para acompanhar o resgate. Ilha do Pontal. Lembro de ter visto seus pés quando os caras do rabecão passaram com seu corpo coberto por plástico preto dentro de um caixão de aço. Não o conhecia.

Um tempo depois, não mais que dois anos, morreu meu tio Jonjoca, irmão da minha mãe. Eu tinha 10 anos, ele 42. Novo, mas a essa altura já tinha 9 filhos. Morreu do nada, diríamos. Estava internado, e quase de alta, por conta de uma úlcera. Morreu num sábado de maio, dia 13. Estávamos em casa e meu primo Claudinho foi quem nos trouxe a notícia. Lembro do choro da minha mãe. Lembro também de ter ido ao velório. Fomos juntos eu, mamãe, tia Gilce e tio Joel. Lá chegando, seu corpo estava no caixão ainda sem flores. Vestia uma bermuda jeans. Era um tio legal. Adorava contar piadas e zombar das pessoas. Lembro de tia Dilma ornamentando o caixão. Mas não fiquei para o sepultamento.

Quando eu estava na sétima série, morreu Marta, uma menina da minha sala. Ela ficou doente e faltou muitas aulas. Alguns amigos mais chegados fomos visitá-la em casa. Ela era uma menina tímida e muito pobre. Não era tão boa aluna. Era do meu grupo nos trabalhos, mas nunca aparecia em nossos encontros. Talvez por causa da saúde. Soubemos que foi internada por causa de uma rubéola. As férias do meio do ano acabaram e ela não voltou às aulas. Alguns de nós fomos ao hospital visitá-la e levamos flores. Não nos deixaram entrar. No mês de agosto ela chegou a aparecer na escola algumas vezes. Mas depois voltou pro hospital e morreu no dia 15 ou 16 de setembro. Toda a sétima série foi dispensada para ir ao seu sepultamento. Marta da Silva Pinna, 14 anos. Sua mãe parecia profundamente abatida, mas chorava em silêncio. Isabela, uma menina da turma que mal conhecia Marta, estava histérica. Chorava e desmaiava e ninguém entendia a razão. O dia seguinte na escola foi estranho. A mesa dela vazia. Ninguém falava no assunto.

Eu morava numa vila. Eram quatro casas. Exatamente na casa ao lado morava uma senhora que tinha dois filhos: Luciana e Otávio. Não demorou muito pra que Tavinho e eu nos tornássemos grandes amigos. Passávamos muito tempo juntos, ora na minha casa, ora na casa dele. Às vezes eu pedia pra minha mãe levá-lo aos nossos passeios. Ele ia. Ele era bonito e as meninas gostavam dele. Minha irmã era uma delas. Acho até que namoraram. Um dia, Tavinho e eu brigamos feio num jogo de futebol. Nunca mais nos falamos. Sua família se mudou da vila. Eu o via de vez em quando na rua. Quando ele tinha 17 anos, ficou doente, muito doente, hepatite. Foi internado no Antônio Pedro. Fugiu do hospital. Morreu um tempo depois. Menino ainda. Não me conformei em vê-lo tão jovem naquela morte. Sua mãe era o próprio sofrimento em pessoa. E eu lamentei ter brigado com ele por razões tão idiotas.

Quando eu tinha 27 anos experimentei a mais viva de todas as mortes. Tia Célia. Minha quase-mãe. Ela tinha só 62 anos. Ficou seriamente doente aos 61. Mesmo percebendo o que estava acontecendo, fui pego de surpresa. "Tia Célia morreu" era uma frase que nunca queria ter pronunciado. Deixou um vácuo. Um silêncio. Sua morte dispersou muitas histórias. Foi no ano 2000. Eu sempre desconfiei que algum mundo ia acabar no ano 2000.

E naquele mesmo ano foi-se Janderson, um amigo muito querido, casado com Allynne. Ele tinha só 29 anos. Foi trabalhar, passou mal, foi pro hospital e morreu. Ah, como era bom bater papo com ele. Culto, leitor voraz, amante de boa música e dono de bela voz. Eu soube de sua morte uma semana depois. Foi tudo muito rápido e Allynne não conseguiu avisar. Sem tê-lo visto morto, fico com a sensação de que viajou pra longe.

Então morreu Vovó Maria. Foi em dezembro de 2005, um dia antes de completar 103 anos. O sepultamento foi no dia do seu aniversário. Não me lembro de nenhum dia em que vovó Maria estivesse doente. Fora a lucidez consumida pelo tempo, era uma velhina saudável. Aos 100 anos, ainda era possível encontrá-la lavando louças ou roupas. Como era bom conversar com ela. Me contava muitas histórias sobre minha infância. Sentar ao lado dela era como viajar no tempo. Tive a honra de dirigir o culto em seu funeral e, junto com todos os presentes, entoar uma canção que ela vivia cantarolando, cujo refrão dizia Precioso pra mim é Jesus/Precioso pra mim é Jesus/Eu confesso na vida e na morte/Que tudo pra mim é Jesus.

Fernando também era um amigo querido. Ele e Clarissa se casaram logo depois do diagnóstico do câncer. Ficaram casados 3 anos. Quase não nos encontrávamos. Era alegre e manso, bonito, jovem e muito amado pela Clarissa. Mas estava morrendo. Queria muito viver, mas não ousava reclamar da morte. Em 18 de agosto de 2006, completou 30 anos. Lucélia e eu fomos à festa, numa pizzaria da Ilha. Lá, reclamou comigo do meu sumiço e disse que o havia abandonado. Doeu aqui dentro. Então resolvemos marcar de passar uma tarde juntos no dia 28, era quando eu podia. Cheguei à sua casa, mas não estava mais. Tinha ido pro hospital no dia anterior, e morreu no dia seguinte. Ah, como esperei pelo dia 28...

E há quase 3 meses, foi a hora de Lúcia Melo de Jesus. Era de Jesus mesmo. Nos conhecemos, creio eu, em 1995, quando eu ainda era estudante. Sua irmã, Sônia, fazia parte do Alfa & Ômega e envolveu Lúcia conosco. Ela mergulhou. Ia a todos os Congressos. Foi conosco ao Panamá, Cabo Verde. Sempre externou o apreço que sentia por mim. Adorava servir e reclamar. Me divirtia muito com ela. Depois de um tempo foi morar nos Estados Unidos e por lá ficou vários anos. Voltou ano passado, se não me engano. Nos vimos apenas uma vez desde que voltou. Em 19 de janeiro me mandou um email dizendo que estava muito feliz que eu ia me casar e querendo saber onde estava a lista de presentes. Em 19 de fevereiro Sônia me mandou um email comunicando seu falecimento. Pensei comigo: "Deus, por favor, deixa as pessoas viverem!"

Certamente, houve outras perdas ao meu redor. Outros tios, outros avós, conhecidos... Sei lá porque menciono essas e não aquelas. O escritor israelense Amós Oz diz que "vivemos até o dia em que morre a última pessoa que se lembra de nós". Então, se ainda não morri eu, também não morreram eles.

E na verdade, nunca morrerei eu, pois Jesus ainda vive... e se lembrou de mim.

"Porque se vivemos, vivemos para o Senhor. Se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor." (Romanos 14:8)

sábado, 11 de abril de 2009

Arrependimento

Desisto pra sempre
de fotografar a vida,
vou vivê-la.

Desisto pra sempre
de temer a morte,
vou bani-la.

Desisto pra sempre
de olhar pro sol,
vou retê-lo.

Desisto pra sempre
de esperar o céu,
vou trazê-lo.

Desisto pra sempre
de chorar a dor,
vou doer com ela.

Desisto pra sempre
de ser poeta,
vou dançar na chuva.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Re-existência

Ele não fora planejado nem desejado. A gravidez foi como uma dessas coisas que acontecem quando menos possibilidade há de acontecer. Milagre, diria. Seus pais já estavam separados havia dois anos. O rapaz partira deixando para trás uma jovem e sonhadora mulher e suas duas filhas que mal andavam.

Dois anos de desejos arrefecidos. Dois anos de silêncio e expectativa. Dois anos de descaso e indiferença. Dois anos de espera. Dois anos de fuga. E num belo dia, eis que ressurge o homem procurado, esperado, desejado. Sem poder resistir à volúpia, revivem o amor e ela imagina ter de volta seu homem. Uma tarde inesquecível. Uma única tarde em dois anos.

Algumas semanas depois, a improvável gravidez é constatada. “Quem sabe ele não volta pra mim de verdade?” – sonhava a sonhadora. “Impossível esse filho ser meu. Foi só uma tarde!” – se esquivava o jovem que um dia dissera “até que a morte nos separe”.

Ela então volta à realidade do abandono, do descaso e do medo de criar sozinha os três filhos. Interromper a gravidez parecia ser a saída mais viável. “Esse remédio é bater e valer!” – garante o balconista da farmácia. “É um menino!!” – anuncia o médico. “Nasceu com saúde?” – pergunta a mãe temerosa. “Perfeito e saudável.” – tranqüiliza o primeiro homem a tocar no menino. “Obrigada, meu Deus, e me perdoa por ter tentado... Bem, o Senhor sabe.”. E naquela sala foram sublimadas todas as demais inquietações.

Em casa, ele se tornara a alegria da família, embora sua chegada tornasse ainda mais difícil a vida de sua jovem mãe. Acordava no meio da noite chorando, ora de fome, ora com dor de ouvido ou cólicas. Como saber a razão daquele choro? Aos poucos ela ia conseguindo decifrar as reclamações. Toda a família precisava se ajustar às necessidades daquela pequena criatura incapaz de expressar claramente seus sentimentos; incapaz de pedir para ir ao banheiro; incapaz de preparar a própria comida ou sequer de comê-la sozinho; incapaz de entender que sua dedicada mãe precisava descansar, que outras pessoas também precisavam dormir.

Mas a mãe estava orgulhosa daquelas três incapazes criaturas. Ela os amava simplesmente por serem dela. Eram seus, de mais ninguém. Ainda que eles não fossem capazes de fazer nada para merecer esse amor, ela os amava porque era da sua natureza amá-los. E era da natureza deles não merecer e carecer de amor.

O pai nunca voltou. O menino cresceu. Virou homem. Encontrou um Pai e ganhou um anel e novas sandálias. Encontrou-se finalmente com a pessoa que planejara e desejara aquela tarde inesquecível mais do que ninguém. Ter pai era novidade e não sabia muito bem como isso funcionava. No começo, quando se comportava mal, ficava com medo e se afastava. Mas não levou muito tempo para que aquele menino, agora homem, percebesse que todo amor e cuidado que recebera da sua mãe eram uma amostra grátis do ilimitado, grande e, também gratuito, amor do Pai.

Foi se dando conta de que seu Pai se importava, amava e cuidava dele não porque era (ou tentasse ser) um bom filho, nem porque estava disposto a obedecer, mas porque pertencia-lhe, e era da natureza do Pai dar aos seus enquanto dormiam. Diariamente necessita ser lavado de suas sujeiras. Tantas vezes ofendera a seu Pai, envergonhara seu nome. Muitas outras, mesmo desejando ajudar, acabava por atrapalhar, como o filho que quer ajudar o pai a lavar o carro, mas tudo que faz é sujar ainda mais.

Freqüentemente volta ao Pai envergonhado, cabisbaixo por ter errado mais uma vez, por tê-lo ofendido de novo, mesmo tendo prometido que nunca mais o faria. E encontra o Pai de braços e sorriso abertos lhe dizendo: “Vem cá, meu filho, deixa que eu cuido disso”. Que constrangedor, que transformador.

Ele sabe que o Pai o ama e que deseja vê-lo crescer, mudar. E esse amor o motiva a querer ser melhor, mesmo sabendo que os sorrisos, abraços e festas do Pai não estão condicionados a se tornar uma pessoa melhor. E esse amor está acabando com ele.

O filho responde e cresce lentamente. Algumas vezes pára, pensa em desistir. Quando desanimado, triste e sem esperança se lança ao Pai, este lhe conforta dizendo: “Sossega esse coração, meu filho. Estou plenamente satisfeito com você e plenamente comprometido em terminar o que comecei em sua vida... Deixa isso comigo."

Então o filho sai por aí falando pra todo mundo sobre o incrível Pai que tem. Dizendo que ele quer ter mais filhos, que pode adotar quantos filhos quiserem ser adotados, e que na casa do seu Pai tem quarto, cama, comida e roupas novas pra todo mundo...