domingo, 25 de fevereiro de 2007

Desconectando-se do perdido

Eu era adolescente, tinha entre 12 e 14 anos. Não sei exatamente. Aos domingos, costumava jogar bola com os moleques da minha rua no estacionamento de um supermercado próximo. Algumas poucas vezes preferia andar de bicicleta com os moleques da rua de trás. Pedalava melhor que chutava, mas os moleques do futebol eram mais legais que os da bicicleta...

No meio da tarde, era comum alguns crentes do bairro se reunirem na praça pra o que eles chamavam de "ar livre". Era um rodízio: num domingo os batistas, no outro os assembleianos. Não faziam juntos porque, segundo eles, uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa. O que um chamava conjunto, o outro chamava coral; o que um chamava Harpa Cristã, outro chamava Cantor Cristão. Enquanto pra esses parecia ser sempre verão, praqueles parecia só existir inverno. Mas pra mim era tudo igual. As diferenças que eu percebia eram irrelevantes. E pra mim eles eram apenas os crentes.

Eu gostava de ficar de longe ouvindo aquele som que saía da caixa amplificada. Gostava mais das músicas do que das falas. Embora na maioria das vezes não entendesse o significado de ambas. Lembro especialmente de uma música que pra mim dizia: "Oh, cão cego eu andei e perdido vaguei..." E eu ficava me perguntando: "O que um cão cego tem a ver com isso? O refrão até que parecia mais coerente. Cruz, pecados, Jesus... Me faziam lembrar A Paixão de Cristo na tv na sessão da tarde da Sexta-feira Santa. E A Paixão de Cristo me levantava a pergunta: "Cristo estava apaixonado por quem?" Eu chorava, me empolgava, mas não entendia bulhufas.

Um dia, ou melhor, uma noite, de domingo fui a uma igreja evangélica do bairro. Todos os moleques da rua de trás que andavam de bicicleta comigo estavam lá. Puxa, eles eram crentes! Nem desconfiava. O banco era duro. Por isso toda hora todo mundo levantava. Fazia calor. Por isso, na entrada, cada pessoa recebia um folheto pra se abanar. Como havia muitas coisas escritas, algumas pessoas acabavam se distraindo com a leitura e nem se abanavam.

Algumas músicas. Algumas conversas. Algumas orações. Hora da leitura bíblica. Eu não tinha Bíblia, mas graças a Deus algumas pessoas esqueceram as suas lá na Igreja de modo que várias pessoas como eu podiam acompanhar a leitura sem precisar pegar carona com o crente do lado. Pediram que abríssemos no Evangelho Segundo Mateus. Claro que não encontrei. Um crente do lado me ajudou. E acabei descobrindo a razão porque aquela Bíblia fora abandonada na Igreja: a falta do Evangelho Primeiro Mateus. Certamente um defeito de fábrica. Agradeci que o pastor naquela noite tenha começado já pelo Segundo...

Pra encerrar, um senhor é convidado pra orar e despedir a congregação. Bem vestido e com uma voz bem impostada, ele começa: "Senhor meu Deus e meu Pai, em cuja augusta presença me encontro na noite deste dia..." E claro que a única coisa que ficou na minha mente naquela hora foi: Meu Deus, quem é essa cuja Augusta?

Eu era só um adolescente perdido que gostava de Deus mas não entendia o que aquela gente estava querendo de fato me dizer.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pra começar

Hoje faz 7 anos que fiquei sem Tia Célia, a irmã mais velha da minha mãe e minha co-mãe. Ela teve 11 filhos saídos de dentro dela. Mas ainda sobrou maternidade pra muitos outros que não saíram de seu ventre, mas entraram e ficaram no seu coração. Acho que sou o mais feliz deles.

Morei com ela por toda minha infância. Quando minha mãe se casou de novo, nos mudamos todos pra outra casa. E mesmo não tão perto, ela continuou sendo como mãe pra mim. Foi dela que herdei o temor a Deus. Embora lhe faltasse entendimento em muitas coisas espirituais, ela sempre me foi um referencial. Nunca tive dúvida de que me amava. Eu via isso nas suas palavras, no seu olhar, no sorriso que me recepcionava e no desejo insistente de que eu aceitasse Jesus.

Um dia percebi que ela estava morrendo. Pensei que pudesse evitar. Chorei diariamente. Pedi que Deus não a levasse tão cedo assim. Tentei imaginar a vida sem ela, os dias sem ela, a casa sem ela. Eu achava que não suportaria. E ela continuou morrendo. No seu aniversário de 62 anos já estava inconsciente no leito de um hospital. Um mês depois morreu definitivamente.

No dia do seu sepultamento, lembrei que 20 anos antes eu chorava, junto com ela, naquele mesmo caminho, enquanto sepultávamos sua mãe, minha querida vó. Lembro-me da calça que ela usava e do lenço que segurava para secar as lágrimas. Se eu imaginasse que 20 anos depois estaria sepultando Tia Célia, nunca teria parado de chorar.

Quero, então, inaugurar esse blog com uma homenagem a uma das mulheres que mais amei nessa vida. Esses 7 anos sem ela não são suficientes para bani-la de mim. E tempo nenhum será. O Jesus que conheço hoje é o Jesus que ela conheceu e um dia me apresentou. E muito do que sou é continuação do que ela foi. O amor jamais acaba...