segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Minha Escolha Ponto Com

Há exatamente 17 anos eu fiz a melhor de todas as escolhas. Me lembro bem daquele domingo que saí de casa para acompanhar um amigo à Igreja de Nova Vida em Alcântara. No caminho eu já tinha decidido que aquela seria a noite em que renderia meu coração a Jesus. Sem me dar conta, eu já estava me rendendo, antes mesmo de chegar à Igreja.

Durante o culto, tudo adquiria um significado diferente pra mim. Não achava mais tudo tão entediante como tantas outras vezes que fui a uma Igreja. Mas eu ainda precisa esperar por aquele momento em que o Pastor perguntaria quem ali queria entregar sua vida a Jesus. E já quase no final daquela celebração dominical, eu me vi com as mãos estendidas. Tendo crido já em meu coração, naquela noite de 14 de outubro de 1990, estava confessando com meu lábios que Jesus Cristo é o Senhor.

Eu não tinha idéia das implicações daquela decisão. Acreditava que dali em diante tudo ia ser diferente. Acreditava que iria me tornar uma pessoa melhor, que não pecaria tanto, que seria um melhor filho, melhor aluno, melhor amigo, melhor irmão... Bem, ainda estou nesse processo e tenho percebido que ele não vai acabar tão cedo.

Não foi a consciência de que era pecador e que estava indo pro inferno que me levou a Jesus. Mas foi a constação de que minha vida carecia de sentido. O vazio na minha alma era muito grande. Nunca fui atrás de drogas, sexo e rock'n'roll a fim de achar sentido pra minha vida. No fundo, eu sempre cri que só em Jesus esse sentido poderia existir. Mas resistia muito à idéia de "entrar pra Igreja" porque achava que iria perder a liberdade de fazer o que quisesse.

Embora soubesse que era pecador e até acreditasse na existência do inferno, isso não funcionava comigo. Não achava que se tratava de uma escolha apenas entre céu e inferno. Achava que era mais uma escolha entre viver e sobreviver. Eu queria sentido pra minha vida aqui e agora. E na Igreja nunca faltaram promessas de que Jesus transformaria a vida daqueles que iam a Ele. Ele curaria as doenças, não deixaria passar fome, acabaria com o sofrimento, daria um emprego... e tantas outras promessas, legítimas ou não, que se propagam por aí.

Eu tinha 18 anos e minha maior preocupação era de que maneira iria viver os prováveis próximos 50 anos. Por isso, naquela noite eu escolhi crer. Fiz uma escolha pela vida, pelo sentido, pelo futuro próximo e distante. Não me importei com as promessas estranhas que ouvi. Eu estava ali crendo em Jesus, nELe, na vida dEle, nas palavras dEle, no cuidado dEle, na companhia e presença dEle. Mesmo sem ter certeza sobre o significado e as implicações dEle.

Eu não O conhecia. Eu não O entendia. Não tinha a noção exata do meu pecado. Tudo que eu sabia era o meu vazio. Tudo que eu via era minha necessidade. Mas Ele me atraiu. Ele se apresentou a mim do único jeito que eu entenderia: o amigo de quem eu precisava pra dar sentido a minha vida vazia.

A noção de quão pecador eu era e quão incapaz de fazer as coisas do jeito certo veio com o passar do tempo. À medida que fui me chegando mais perto de Jesus, minha condição foi se tornando mais evidente. E hoje me vejo muito mais pecador do que me via há 17 anos atrás. E, portanto, Sua graça faz muito mais sentido hoje do que fazia há 17 anos.

Como disse anteriormente, quando me rendi a Jesus eu não tinha idéia de onde e com quem estava me metendo. Eu não sei dizer de quantas dificuldades e sofrimentos Ele me livrou, mas lembro-me de muitas das quais Ele não me livrou. Não me lembro de todas as orações que Ele me respondeu, mas lembro-me de muitas que ficaram sem resposta, e de algumas que ainda hoje estão. Não me lembro de nenhum dia em que houvesse dinheiro sobrando, mas lembro-me de que Ele nunca deixou de suprir uma necessidade sequer.

Minha vida passou a fazer muito sentido. Mas fui descobrindo que nem tudo na minha vida faz sempre sentido. E passei a entender que nem sempre precisa fazer sentido. No dia 14 de outubro de 1990, Deus iniciou o projeto de me devolver Sua imagem e semelhança. Venho me dando conta de que cada coisa - dificuldade, sofrimento, perda, ganho, alegria, sacrifício, fartura, escassez, morte, nascimento, e tantas outras - faz parte do projeto de Deus que é me tornar mais parecido com Seu Filho, o meu Senhor, Salvador e amigo Jesus, a quem quero imitar, amar e seguir por todos os dias da minha vida, e com quem quero morar por todos os dias da vida dEle.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

O Pedro Nosso de Cada Dia

Provavelmente, Pedro é um dos personagens mais polêmicos de todo o Novo Testamento. Algumas de suas frases talvez arrancassem risos, olhares de reprovação e desdém de boa parte se seus companheiros. Alguns talvez pensassem: “Onde é que Jesus estava com a cabeça quando escolheu esse cara?”

Ainda hoje, as reações e atitudes do discípulo de Jesus são tema de muitas pregações em nossas Igrejas. Ouvimos sobre sua ousadia, arrogância, coragem, covardia, insensatez, perspicácia, determinação, impulsividade. Temos sido encorajados a ser como Pedro, que ao ouvir o chamado de Jesus, deixou tudo para trás e foi se tornar um pescador de homens. Temos sido advertidos a não ser como Pedro que, por três vezes, negou a Jesus.

Temos a tendência de olhar para os discípulos como homens tão santos que acabamos por não enxergar sua humanidade, diga-se de passagem, tão caída quanto a nossa. Pedro foi um homem normal e, justamente por isso, sua vida está cheia de exemplos a serem seguidos, e de muitos outros a serem evitados. Geralmente, ele dizia tudo o que queria (e o que os outros queriam, mas não tinham coragem!); ouvia tudo o que não queria; não era tudo o que pensava e se tornou alguém que nunca imaginou se tornar.

Num momento vemos um Pedro com um enorme senso de indignidade perante Jesus: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”. Em outro, com incrível discernimento: “Tu és o Cristo”. Em seguida, com ousadia suficiente para repreender o próprio Messias por ficar falando por aí que iria morrer. Ele teve coragem suficiente para enfrentar um exército com espadas e lanças prestes a prender Jesus, e cortar a orelha de um dos soldados. Mas não encontrou a mesma coragem para assumir sua associação com o Mestre diante de simples cidadãos armados apenas de olhares inquisidores. Que homem incoerente! Tinha acabado de declarar que estava pronto tanto para ir para a prisão quanto para morrer com Jesus. Horas depois fala, afirma e reafirma que não conhece seu Mestre.

Talvez não nos seja possível imaginar o que se passava pela cabeça de Pedro. Ele viu seu Senhor ser preso, julgado, condenado e executado. Nem ele nem nenhum dos seus amigos fizeram nada para impedir. Tudo bem que quando ele largou tudo e foi atrás de Jesus, ele não sabia exatamente onde estava se metendo. Pedro era um homem que amava a Deus e ansiava por ver seu povo livre da humilhante dominação romana. E Jesus parecia ser o homem que poria um ponto final nesta situação, um homem que era saudado nas ruas como Rei, que se declarava Filho de Deus, Messias, Senhor. Um homem que devolveu vista aos cegos, voz aos mudos, vida aos mortos, mas que praticamente se entregou para ser morto. A idéia de um Messias sofredor não tinha nada a ver com a expectativa daquele homem apaixonado. Tudo isso parecia confuso demais para Pedro e os demais. Valeria a pena se arriscar por um homem que não dizia nada em sua própria defesa? Talvez Pedro estivesse começando a perceber que não amava a Jesus tanto assim... Talvez tivesse se enganado a respeito do Mestre.

Mas Jesus amava Pedro e sabia que Pedro, do seu jeito, O amava também. Jesus não o havia chamado por causa de suas habilidades nem por suas qualidades, portanto não o haveria de rejeitar pela falta das mesmas. Se somos incoerentes, Jesus permanece coerente. Se somos infiéis, Ele permanece fiel. Talvez Pedro ainda não soubesse disso e Jesus daria um jeito de deixá-lo saber.

Então, algumas mulheres voltam com uma história mirabolante. Por essa Pedro não esperava. Ele pensava que tudo havia acabado, que deveria voltar para sua vidinha de três anos atrás. Eu posso imaginar a esperança renascendo no coração eufórico de Pedro. Ao correr desesperadamente ao túmulo e encontrá-lo vazio, tudo lhe parece fazer sentido. Imagino que por um instante Pedro esquece sua deslealdade e celebra o maior evento de todos os tempos: “Meu Mestre ressuscitou!”

Por mais quarenta dias Jesus esteve com eles, não andando de um lado para outro, mas agora fazendo umas visitas surpresas. E numa madrugada, Ele aparece na praia onde Pedro e mais alguns estavam pescando, acende uma fogueira e convida os discípulos presentes para comer. Aquela fogueira provavelmente suscitava em Pedro umas lembranças dolorosas. Ele estava em volta de uma fogueira quando seu olhar encontrou o de Jesus após o canto do galo. Havia chegado a hora do confronto, a hora de Pedro reconhecer exatamente em que ponto do caminho se achava.

E numa das cenas mais emocionantes do Evangelho, Pedro começa um novo tempo. “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros?” Talvez em outras épocas, Pedro se achasse o melhor, o mais espiritual, o mais corajoso, o que sabia mais, o que amava mais. “Sim, Senhor, tu sabes que te amo.” Jesus usa a palavra agapas, sugerindo um amor mais elevado, sacrificial, o amor que Deus tem. Mas Pedro responde com philo, um amor de amigo, amor humano. E Jesus acrescenta: “Apascenta os meus cordeiros”. O diálogo se repete por duas vezes, mas na última, Jesus não usa agapas e sim philo. E Pedro responde: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo”. E Jesus mais uma vez: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Imagino Pedro dizendo: “Senhor, não posso continuar fingindo ser um superdiscípulo. Já provei pra todos e pra mim mesmo que não sou tudo que acreditava ser. Além do mais, não há nada que eu possa esconder de Ti. Tu sabes todas as coisas, e sabes que esse é o único amor que posso Te dar.” Pedro estava agora pronto para começar a tarefa. Jesus aceita sua qualidade e nível de amor e ainda o incumbe da maior responsabilidade de todos os tempos. Pedro precisava entender que nesse negócio sua dependência, incapacidade e insuficiência eram condição sine qua non para o sucesso.

E se você conhece a história da Igreja em Atos, já deve saber que tipo de homem Pedro se tornou. Depois de se esvaziar de si mesmo e ser cheio do Espírito Santo, sua vida foi tremendamente usada pra levar milhares de homens e mulheres a Cristo. Esteve preso várias vezes por causa da pregação e, finalmente, morreu crucificado.

Eu encontro muitos vestígios de Pedro na minha vida. Às vezes cheio de coragem para saltar do barco e andar sobre as águas, outras vezes cheio de covardia para dizer: “Não, não O conheço”. De vez em quando também penso de mim mais do que convém: “Estou pronto para morrer contigo, se preciso for.”

Li num livro, que não me lembro qual, uma frase mais ou menos assim: “Não há nada que eu possa fazer para Deus me amar mais, e nada que eu deixe de fazer pra ele me amar menos”. Muitos cristãos passam a vida lutando por algo que já têm: o amor e a aceitação de Deus. E muitas vezes buscam isso através de suas obras. Procuram fazer cada vez mais a fim de se tornarem agradáveis a Deus. Nosso comportamento e nosso serviço são muito importantes para Deus, apenas não são a base pela qual seremos aceitos.

Deus me chamou para cuidar de Seus negócios mesmo conhecendo o nível e a qualidade do meu amor: “Apascenta meu rebanho”. Não estou esperando mudar para aceitar o desafio. Estou tentando deixar o Mestre me conduzir em cada área de minha vida, em cada ambiente que freqüento, em cada sonho que tenho, em cada pensamento que acolho, em cada palavra que exprimo. Quero que me leve a Seus planos, aos lugares que Ele escolher, no momento que Ele quiser e até quando Ele decidir.

Estou consciente de que não estou pronto. Mas não tenho nenhuma dúvida de que “aquele que começou a boa obra em mim, é fiel para completá-la...”. Estou ficando cada vez menos parecido com Pedro, e cada vez mais parecido com Jesus. E a culpa não é só minha. O mérito tampouco.

domingo, 1 de abril de 2007

Primeiro de Abril

Foi há algum tempo, numa noite de 1997 ou 1998. Ieda tinha vindo passar uns dias na casa de Madaí. Mada e eu morávamos no mesmo prédio, numa rua bem arborizada do Ingá, bairro de Niterói.

Resolvemos dar um passeio pelo Rio com Ieda, que viera de São Paulo. Na volta, já bem tarde, no começo da Ponte Rio-Niterói, em direção a Niterói, um policial rodoviário federal nos faz sinal pra parar. Madaí dirigia. Ele pede pra ver os documentos dela. Nenhuma irregularidade. Ele caminha até a frente do carro e volta informando que a lanterna direita está quebrada.

Madaí fica surpresa com a notícia. Ele percebe sua incredulidade e a chama pra verificar. Ela sai do carro. Ieda e eu ficamos apreensivos. O que vai acontecer? Ele vai nos multar? Vai prender o carro? Passava da meia-noite, como vamos voltar pra casa? Não dá pra ir andando pela ponte. E ônibus não parariam pra gente... Pô, isso era hora de nos parar?! No mínimo esse guarda tá querendo dinheiro...

Quando Madaí chega perto da lanterna, percebe que não há nada de errado. A essa altura as gargalhadas do guarda já tinham interrompido meus pensamentos trágicos. "É primeiro de abril, minha senhora! Peguei você! Tava doido que desse meia-noite pra pegar a primeira pessoa!", diz o "elemento" com tanta felicidade.

A cara de Madaí era de maior incredulidade ainda. A nossa também. Ainda sorrindo, ele acompanha Mada de volta ao carro. "Tem dó, né?", é tudo que ela consegue dizer pra ele, num misto de indignação, alívio e perplexidade.

Seguimos pra casa morrendo de rir. Nunca nenhum de nós pôde imaginar que uma situação dessa poderia acontecer. Voltamos com a sensação de ter participado de uma pegadinha do Faustão. Deve ser mesmo muito entediante ser policial rodoviário. Pelo menos aquele conseguiu um jeito de tornar seu trabalho divertido... às nossas custas.

quinta-feira, 8 de março de 2007

Vera, Mulher Verdadeira

Hoje é Dia Internacional da Mulher. Penso que um poema cairia melhor neste espaço e neste tempo. Falaria não só de rosas e esperanças, mas também de veras, elisângelas, gilvânias, fernandas, anas, paulas, marias, lucélias, katias, carlas, áureas, adrianas, angélicas, roses, priscilas, reginas, ábias, caróis, lieges, joanas, kristinas, savanas, éricas, cíntias, alessandras, cris, sorayas, andréas, aïdas, iedas, madas, dulces, milenes, milenas e melissas. Difícil seria não achar uma rima. Mas não sei ser poético em poemas. Acho que nem em prosa...

Há uma mulher de quem me origino. Ela é forte e frágil, pai e mãe. Sua mãe saiu de casa quando ainda nem falava. Seu pai saiu da vida antes de levá-la ao altar e seu marido a deixou muito, muito antes que seus filhos crescessem. Mulher valente. Começou a trabalhar aos 13 anos, e trabalha até agora. Criou seus filhos com muito sacrifício e, apesar da ajuda de outros, nunca abriu mão de ser a mãe deles. Viveu pra eles sua vida... e a vive ainda hoje.

Não me lembro de um único dia em minha vida que não tenha me sentido amado por ela. Do seu jeito, com seus recursos, ela amou... e ama. E mesmo tendo recebido tão pouco, nos deu tanto. Mesmo lhe faltando referenciais, tornou-se tão poderosa. Mesmo sofrendo abandono, soube multiplicar sua presença.

Seu nome é Vera Lúcia, verdadeira e brilhante. Quero aproveitar esse dia para homenagear a mulher que tanto amo. E se fui e sou capaz de amar alguma outra, é que por seu exemplo, posso acreditar nas mulheres. Ela é uma mulher - mãe, tia, irmã, avó, sogra - imperfeita e cheia de limitações, como toda mulher. Mas é a prova viva de que a vida não faz reféns. Ela transformou o pouco que tinha em Gilvânia, Elisângela, Gilberlei e Ana Paula.

Sou imensamente grato a Deus que, apesar de não ter me permitido um pai, deu-me essa mãe. Que todas as mulheres desse Brasil se orgulhem de haver mulher assim. E elas existem em cada canto desse país, singulares e essenciais.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Desconectando-se do perdido

Eu era adolescente, tinha entre 12 e 14 anos. Não sei exatamente. Aos domingos, costumava jogar bola com os moleques da minha rua no estacionamento de um supermercado próximo. Algumas poucas vezes preferia andar de bicicleta com os moleques da rua de trás. Pedalava melhor que chutava, mas os moleques do futebol eram mais legais que os da bicicleta...

No meio da tarde, era comum alguns crentes do bairro se reunirem na praça pra o que eles chamavam de "ar livre". Era um rodízio: num domingo os batistas, no outro os assembleianos. Não faziam juntos porque, segundo eles, uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa. O que um chamava conjunto, o outro chamava coral; o que um chamava Harpa Cristã, outro chamava Cantor Cristão. Enquanto pra esses parecia ser sempre verão, praqueles parecia só existir inverno. Mas pra mim era tudo igual. As diferenças que eu percebia eram irrelevantes. E pra mim eles eram apenas os crentes.

Eu gostava de ficar de longe ouvindo aquele som que saía da caixa amplificada. Gostava mais das músicas do que das falas. Embora na maioria das vezes não entendesse o significado de ambas. Lembro especialmente de uma música que pra mim dizia: "Oh, cão cego eu andei e perdido vaguei..." E eu ficava me perguntando: "O que um cão cego tem a ver com isso? O refrão até que parecia mais coerente. Cruz, pecados, Jesus... Me faziam lembrar A Paixão de Cristo na tv na sessão da tarde da Sexta-feira Santa. E A Paixão de Cristo me levantava a pergunta: "Cristo estava apaixonado por quem?" Eu chorava, me empolgava, mas não entendia bulhufas.

Um dia, ou melhor, uma noite, de domingo fui a uma igreja evangélica do bairro. Todos os moleques da rua de trás que andavam de bicicleta comigo estavam lá. Puxa, eles eram crentes! Nem desconfiava. O banco era duro. Por isso toda hora todo mundo levantava. Fazia calor. Por isso, na entrada, cada pessoa recebia um folheto pra se abanar. Como havia muitas coisas escritas, algumas pessoas acabavam se distraindo com a leitura e nem se abanavam.

Algumas músicas. Algumas conversas. Algumas orações. Hora da leitura bíblica. Eu não tinha Bíblia, mas graças a Deus algumas pessoas esqueceram as suas lá na Igreja de modo que várias pessoas como eu podiam acompanhar a leitura sem precisar pegar carona com o crente do lado. Pediram que abríssemos no Evangelho Segundo Mateus. Claro que não encontrei. Um crente do lado me ajudou. E acabei descobrindo a razão porque aquela Bíblia fora abandonada na Igreja: a falta do Evangelho Primeiro Mateus. Certamente um defeito de fábrica. Agradeci que o pastor naquela noite tenha começado já pelo Segundo...

Pra encerrar, um senhor é convidado pra orar e despedir a congregação. Bem vestido e com uma voz bem impostada, ele começa: "Senhor meu Deus e meu Pai, em cuja augusta presença me encontro na noite deste dia..." E claro que a única coisa que ficou na minha mente naquela hora foi: Meu Deus, quem é essa cuja Augusta?

Eu era só um adolescente perdido que gostava de Deus mas não entendia o que aquela gente estava querendo de fato me dizer.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pra começar

Hoje faz 7 anos que fiquei sem Tia Célia, a irmã mais velha da minha mãe e minha co-mãe. Ela teve 11 filhos saídos de dentro dela. Mas ainda sobrou maternidade pra muitos outros que não saíram de seu ventre, mas entraram e ficaram no seu coração. Acho que sou o mais feliz deles.

Morei com ela por toda minha infância. Quando minha mãe se casou de novo, nos mudamos todos pra outra casa. E mesmo não tão perto, ela continuou sendo como mãe pra mim. Foi dela que herdei o temor a Deus. Embora lhe faltasse entendimento em muitas coisas espirituais, ela sempre me foi um referencial. Nunca tive dúvida de que me amava. Eu via isso nas suas palavras, no seu olhar, no sorriso que me recepcionava e no desejo insistente de que eu aceitasse Jesus.

Um dia percebi que ela estava morrendo. Pensei que pudesse evitar. Chorei diariamente. Pedi que Deus não a levasse tão cedo assim. Tentei imaginar a vida sem ela, os dias sem ela, a casa sem ela. Eu achava que não suportaria. E ela continuou morrendo. No seu aniversário de 62 anos já estava inconsciente no leito de um hospital. Um mês depois morreu definitivamente.

No dia do seu sepultamento, lembrei que 20 anos antes eu chorava, junto com ela, naquele mesmo caminho, enquanto sepultávamos sua mãe, minha querida vó. Lembro-me da calça que ela usava e do lenço que segurava para secar as lágrimas. Se eu imaginasse que 20 anos depois estaria sepultando Tia Célia, nunca teria parado de chorar.

Quero, então, inaugurar esse blog com uma homenagem a uma das mulheres que mais amei nessa vida. Esses 7 anos sem ela não são suficientes para bani-la de mim. E tempo nenhum será. O Jesus que conheço hoje é o Jesus que ela conheceu e um dia me apresentou. E muito do que sou é continuação do que ela foi. O amor jamais acaba...