sexta-feira, 13 de abril de 2007

O Pedro Nosso de Cada Dia

Provavelmente, Pedro é um dos personagens mais polêmicos de todo o Novo Testamento. Algumas de suas frases talvez arrancassem risos, olhares de reprovação e desdém de boa parte se seus companheiros. Alguns talvez pensassem: “Onde é que Jesus estava com a cabeça quando escolheu esse cara?”

Ainda hoje, as reações e atitudes do discípulo de Jesus são tema de muitas pregações em nossas Igrejas. Ouvimos sobre sua ousadia, arrogância, coragem, covardia, insensatez, perspicácia, determinação, impulsividade. Temos sido encorajados a ser como Pedro, que ao ouvir o chamado de Jesus, deixou tudo para trás e foi se tornar um pescador de homens. Temos sido advertidos a não ser como Pedro que, por três vezes, negou a Jesus.

Temos a tendência de olhar para os discípulos como homens tão santos que acabamos por não enxergar sua humanidade, diga-se de passagem, tão caída quanto a nossa. Pedro foi um homem normal e, justamente por isso, sua vida está cheia de exemplos a serem seguidos, e de muitos outros a serem evitados. Geralmente, ele dizia tudo o que queria (e o que os outros queriam, mas não tinham coragem!); ouvia tudo o que não queria; não era tudo o que pensava e se tornou alguém que nunca imaginou se tornar.

Num momento vemos um Pedro com um enorme senso de indignidade perante Jesus: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”. Em outro, com incrível discernimento: “Tu és o Cristo”. Em seguida, com ousadia suficiente para repreender o próprio Messias por ficar falando por aí que iria morrer. Ele teve coragem suficiente para enfrentar um exército com espadas e lanças prestes a prender Jesus, e cortar a orelha de um dos soldados. Mas não encontrou a mesma coragem para assumir sua associação com o Mestre diante de simples cidadãos armados apenas de olhares inquisidores. Que homem incoerente! Tinha acabado de declarar que estava pronto tanto para ir para a prisão quanto para morrer com Jesus. Horas depois fala, afirma e reafirma que não conhece seu Mestre.

Talvez não nos seja possível imaginar o que se passava pela cabeça de Pedro. Ele viu seu Senhor ser preso, julgado, condenado e executado. Nem ele nem nenhum dos seus amigos fizeram nada para impedir. Tudo bem que quando ele largou tudo e foi atrás de Jesus, ele não sabia exatamente onde estava se metendo. Pedro era um homem que amava a Deus e ansiava por ver seu povo livre da humilhante dominação romana. E Jesus parecia ser o homem que poria um ponto final nesta situação, um homem que era saudado nas ruas como Rei, que se declarava Filho de Deus, Messias, Senhor. Um homem que devolveu vista aos cegos, voz aos mudos, vida aos mortos, mas que praticamente se entregou para ser morto. A idéia de um Messias sofredor não tinha nada a ver com a expectativa daquele homem apaixonado. Tudo isso parecia confuso demais para Pedro e os demais. Valeria a pena se arriscar por um homem que não dizia nada em sua própria defesa? Talvez Pedro estivesse começando a perceber que não amava a Jesus tanto assim... Talvez tivesse se enganado a respeito do Mestre.

Mas Jesus amava Pedro e sabia que Pedro, do seu jeito, O amava também. Jesus não o havia chamado por causa de suas habilidades nem por suas qualidades, portanto não o haveria de rejeitar pela falta das mesmas. Se somos incoerentes, Jesus permanece coerente. Se somos infiéis, Ele permanece fiel. Talvez Pedro ainda não soubesse disso e Jesus daria um jeito de deixá-lo saber.

Então, algumas mulheres voltam com uma história mirabolante. Por essa Pedro não esperava. Ele pensava que tudo havia acabado, que deveria voltar para sua vidinha de três anos atrás. Eu posso imaginar a esperança renascendo no coração eufórico de Pedro. Ao correr desesperadamente ao túmulo e encontrá-lo vazio, tudo lhe parece fazer sentido. Imagino que por um instante Pedro esquece sua deslealdade e celebra o maior evento de todos os tempos: “Meu Mestre ressuscitou!”

Por mais quarenta dias Jesus esteve com eles, não andando de um lado para outro, mas agora fazendo umas visitas surpresas. E numa madrugada, Ele aparece na praia onde Pedro e mais alguns estavam pescando, acende uma fogueira e convida os discípulos presentes para comer. Aquela fogueira provavelmente suscitava em Pedro umas lembranças dolorosas. Ele estava em volta de uma fogueira quando seu olhar encontrou o de Jesus após o canto do galo. Havia chegado a hora do confronto, a hora de Pedro reconhecer exatamente em que ponto do caminho se achava.

E numa das cenas mais emocionantes do Evangelho, Pedro começa um novo tempo. “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros?” Talvez em outras épocas, Pedro se achasse o melhor, o mais espiritual, o mais corajoso, o que sabia mais, o que amava mais. “Sim, Senhor, tu sabes que te amo.” Jesus usa a palavra agapas, sugerindo um amor mais elevado, sacrificial, o amor que Deus tem. Mas Pedro responde com philo, um amor de amigo, amor humano. E Jesus acrescenta: “Apascenta os meus cordeiros”. O diálogo se repete por duas vezes, mas na última, Jesus não usa agapas e sim philo. E Pedro responde: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo”. E Jesus mais uma vez: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Imagino Pedro dizendo: “Senhor, não posso continuar fingindo ser um superdiscípulo. Já provei pra todos e pra mim mesmo que não sou tudo que acreditava ser. Além do mais, não há nada que eu possa esconder de Ti. Tu sabes todas as coisas, e sabes que esse é o único amor que posso Te dar.” Pedro estava agora pronto para começar a tarefa. Jesus aceita sua qualidade e nível de amor e ainda o incumbe da maior responsabilidade de todos os tempos. Pedro precisava entender que nesse negócio sua dependência, incapacidade e insuficiência eram condição sine qua non para o sucesso.

E se você conhece a história da Igreja em Atos, já deve saber que tipo de homem Pedro se tornou. Depois de se esvaziar de si mesmo e ser cheio do Espírito Santo, sua vida foi tremendamente usada pra levar milhares de homens e mulheres a Cristo. Esteve preso várias vezes por causa da pregação e, finalmente, morreu crucificado.

Eu encontro muitos vestígios de Pedro na minha vida. Às vezes cheio de coragem para saltar do barco e andar sobre as águas, outras vezes cheio de covardia para dizer: “Não, não O conheço”. De vez em quando também penso de mim mais do que convém: “Estou pronto para morrer contigo, se preciso for.”

Li num livro, que não me lembro qual, uma frase mais ou menos assim: “Não há nada que eu possa fazer para Deus me amar mais, e nada que eu deixe de fazer pra ele me amar menos”. Muitos cristãos passam a vida lutando por algo que já têm: o amor e a aceitação de Deus. E muitas vezes buscam isso através de suas obras. Procuram fazer cada vez mais a fim de se tornarem agradáveis a Deus. Nosso comportamento e nosso serviço são muito importantes para Deus, apenas não são a base pela qual seremos aceitos.

Deus me chamou para cuidar de Seus negócios mesmo conhecendo o nível e a qualidade do meu amor: “Apascenta meu rebanho”. Não estou esperando mudar para aceitar o desafio. Estou tentando deixar o Mestre me conduzir em cada área de minha vida, em cada ambiente que freqüento, em cada sonho que tenho, em cada pensamento que acolho, em cada palavra que exprimo. Quero que me leve a Seus planos, aos lugares que Ele escolher, no momento que Ele quiser e até quando Ele decidir.

Estou consciente de que não estou pronto. Mas não tenho nenhuma dúvida de que “aquele que começou a boa obra em mim, é fiel para completá-la...”. Estou ficando cada vez menos parecido com Pedro, e cada vez mais parecido com Jesus. E a culpa não é só minha. O mérito tampouco.

domingo, 1 de abril de 2007

Primeiro de Abril

Foi há algum tempo, numa noite de 1997 ou 1998. Ieda tinha vindo passar uns dias na casa de Madaí. Mada e eu morávamos no mesmo prédio, numa rua bem arborizada do Ingá, bairro de Niterói.

Resolvemos dar um passeio pelo Rio com Ieda, que viera de São Paulo. Na volta, já bem tarde, no começo da Ponte Rio-Niterói, em direção a Niterói, um policial rodoviário federal nos faz sinal pra parar. Madaí dirigia. Ele pede pra ver os documentos dela. Nenhuma irregularidade. Ele caminha até a frente do carro e volta informando que a lanterna direita está quebrada.

Madaí fica surpresa com a notícia. Ele percebe sua incredulidade e a chama pra verificar. Ela sai do carro. Ieda e eu ficamos apreensivos. O que vai acontecer? Ele vai nos multar? Vai prender o carro? Passava da meia-noite, como vamos voltar pra casa? Não dá pra ir andando pela ponte. E ônibus não parariam pra gente... Pô, isso era hora de nos parar?! No mínimo esse guarda tá querendo dinheiro...

Quando Madaí chega perto da lanterna, percebe que não há nada de errado. A essa altura as gargalhadas do guarda já tinham interrompido meus pensamentos trágicos. "É primeiro de abril, minha senhora! Peguei você! Tava doido que desse meia-noite pra pegar a primeira pessoa!", diz o "elemento" com tanta felicidade.

A cara de Madaí era de maior incredulidade ainda. A nossa também. Ainda sorrindo, ele acompanha Mada de volta ao carro. "Tem dó, né?", é tudo que ela consegue dizer pra ele, num misto de indignação, alívio e perplexidade.

Seguimos pra casa morrendo de rir. Nunca nenhum de nós pôde imaginar que uma situação dessa poderia acontecer. Voltamos com a sensação de ter participado de uma pegadinha do Faustão. Deve ser mesmo muito entediante ser policial rodoviário. Pelo menos aquele conseguiu um jeito de tornar seu trabalho divertido... às nossas custas.