terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Re-existência

Ele não fora planejado nem desejado. A gravidez foi como uma dessas coisas que acontecem quando menos possibilidade há de acontecer. Milagre, diria. Seus pais já estavam separados havia dois anos. O rapaz partira deixando para trás uma jovem e sonhadora mulher e suas duas filhas que mal andavam.

Dois anos de desejos arrefecidos. Dois anos de silêncio e expectativa. Dois anos de descaso e indiferença. Dois anos de espera. Dois anos de fuga. E num belo dia, eis que ressurge o homem procurado, esperado, desejado. Sem poder resistir à volúpia, revivem o amor e ela imagina ter de volta seu homem. Uma tarde inesquecível. Uma única tarde em dois anos.

Algumas semanas depois, a improvável gravidez é constatada. “Quem sabe ele não volta pra mim de verdade?” – sonhava a sonhadora. “Impossível esse filho ser meu. Foi só uma tarde!” – se esquivava o jovem que um dia dissera “até que a morte nos separe”.

Ela então volta à realidade do abandono, do descaso e do medo de criar sozinha os três filhos. Interromper a gravidez parecia ser a saída mais viável. “Esse remédio é bater e valer!” – garante o balconista da farmácia. “É um menino!!” – anuncia o médico. “Nasceu com saúde?” – pergunta a mãe temerosa. “Perfeito e saudável.” – tranqüiliza o primeiro homem a tocar no menino. “Obrigada, meu Deus, e me perdoa por ter tentado... Bem, o Senhor sabe.”. E naquela sala foram sublimadas todas as demais inquietações.

Em casa, ele se tornara a alegria da família, embora sua chegada tornasse ainda mais difícil a vida de sua jovem mãe. Acordava no meio da noite chorando, ora de fome, ora com dor de ouvido ou cólicas. Como saber a razão daquele choro? Aos poucos ela ia conseguindo decifrar as reclamações. Toda a família precisava se ajustar às necessidades daquela pequena criatura incapaz de expressar claramente seus sentimentos; incapaz de pedir para ir ao banheiro; incapaz de preparar a própria comida ou sequer de comê-la sozinho; incapaz de entender que sua dedicada mãe precisava descansar, que outras pessoas também precisavam dormir.

Mas a mãe estava orgulhosa daquelas três incapazes criaturas. Ela os amava simplesmente por serem dela. Eram seus, de mais ninguém. Ainda que eles não fossem capazes de fazer nada para merecer esse amor, ela os amava porque era da sua natureza amá-los. E era da natureza deles não merecer e carecer de amor.

O pai nunca voltou. O menino cresceu. Virou homem. Encontrou um Pai e ganhou um anel e novas sandálias. Encontrou-se finalmente com a pessoa que planejara e desejara aquela tarde inesquecível mais do que ninguém. Ter pai era novidade e não sabia muito bem como isso funcionava. No começo, quando se comportava mal, ficava com medo e se afastava. Mas não levou muito tempo para que aquele menino, agora homem, percebesse que todo amor e cuidado que recebera da sua mãe eram uma amostra grátis do ilimitado, grande e, também gratuito, amor do Pai.

Foi se dando conta de que seu Pai se importava, amava e cuidava dele não porque era (ou tentasse ser) um bom filho, nem porque estava disposto a obedecer, mas porque pertencia-lhe, e era da natureza do Pai dar aos seus enquanto dormiam. Diariamente necessita ser lavado de suas sujeiras. Tantas vezes ofendera a seu Pai, envergonhara seu nome. Muitas outras, mesmo desejando ajudar, acabava por atrapalhar, como o filho que quer ajudar o pai a lavar o carro, mas tudo que faz é sujar ainda mais.

Freqüentemente volta ao Pai envergonhado, cabisbaixo por ter errado mais uma vez, por tê-lo ofendido de novo, mesmo tendo prometido que nunca mais o faria. E encontra o Pai de braços e sorriso abertos lhe dizendo: “Vem cá, meu filho, deixa que eu cuido disso”. Que constrangedor, que transformador.

Ele sabe que o Pai o ama e que deseja vê-lo crescer, mudar. E esse amor o motiva a querer ser melhor, mesmo sabendo que os sorrisos, abraços e festas do Pai não estão condicionados a se tornar uma pessoa melhor. E esse amor está acabando com ele.

O filho responde e cresce lentamente. Algumas vezes pára, pensa em desistir. Quando desanimado, triste e sem esperança se lança ao Pai, este lhe conforta dizendo: “Sossega esse coração, meu filho. Estou plenamente satisfeito com você e plenamente comprometido em terminar o que comecei em sua vida... Deixa isso comigo."

Então o filho sai por aí falando pra todo mundo sobre o incrível Pai que tem. Dizendo que ele quer ter mais filhos, que pode adotar quantos filhos quiserem ser adotados, e que na casa do seu Pai tem quarto, cama, comida e roupas novas pra todo mundo...