Eu era adolescente, tinha entre 12 e 14 anos. Não sei exatamente. Aos domingos, costumava jogar bola com os moleques da minha rua no estacionamento de um supermercado próximo. Algumas poucas vezes preferia andar de bicicleta com os moleques da rua de trás. Pedalava melhor que chutava, mas os moleques do futebol eram mais legais que os da bicicleta...
No meio da tarde, era comum alguns crentes do bairro se reunirem na praça pra o que eles chamavam de "ar livre". Era um rodízio: num domingo os batistas, no outro os assembleianos. Não faziam juntos porque, segundo eles, uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa. O que um chamava conjunto, o outro chamava coral; o que um chamava Harpa Cristã, outro chamava Cantor Cristão. Enquanto pra esses parecia ser sempre verão, praqueles parecia só existir inverno. Mas pra mim era tudo igual. As diferenças que eu percebia eram irrelevantes. E pra mim eles eram apenas os crentes.
Eu gostava de ficar de longe ouvindo aquele som que saía da caixa amplificada. Gostava mais das músicas do que das falas. Embora na maioria das vezes não entendesse o significado de ambas. Lembro especialmente de uma música que pra mim dizia: "Oh, cão cego eu andei e perdido vaguei..." E eu ficava me perguntando: "O que um cão cego tem a ver com isso? O refrão até que parecia mais coerente. Cruz, pecados, Jesus... Me faziam lembrar A Paixão de Cristo na tv na sessão da tarde da Sexta-feira Santa. E A Paixão de Cristo me levantava a pergunta: "Cristo estava apaixonado por quem?" Eu chorava, me empolgava, mas não entendia bulhufas.
Um dia, ou melhor, uma noite, de domingo fui a uma igreja evangélica do bairro. Todos os moleques da rua de trás que andavam de bicicleta comigo estavam lá. Puxa, eles eram crentes! Nem desconfiava. O banco era duro. Por isso toda hora todo mundo levantava. Fazia calor. Por isso, na entrada, cada pessoa recebia um folheto pra se abanar. Como havia muitas coisas escritas, algumas pessoas acabavam se distraindo com a leitura e nem se abanavam.
Algumas músicas. Algumas conversas. Algumas orações. Hora da leitura bíblica. Eu não tinha Bíblia, mas graças a Deus algumas pessoas esqueceram as suas lá na Igreja de modo que várias pessoas como eu podiam acompanhar a leitura sem precisar pegar carona com o crente do lado. Pediram que abríssemos no Evangelho Segundo Mateus. Claro que não encontrei. Um crente do lado me ajudou. E acabei descobrindo a razão porque aquela Bíblia fora abandonada na Igreja: a falta do Evangelho Primeiro Mateus. Certamente um defeito de fábrica. Agradeci que o pastor naquela noite tenha começado já pelo Segundo...
Pra encerrar, um senhor é convidado pra orar e despedir a congregação. Bem vestido e com uma voz bem impostada, ele começa: "Senhor meu Deus e meu Pai, em cuja augusta presença me encontro na noite deste dia..." E claro que a única coisa que ficou na minha mente naquela hora foi: Meu Deus, quem é essa cuja Augusta?
Eu era só um adolescente perdido que gostava de Deus mas não entendia o que aquela gente estava querendo de fato me dizer.
Enquanto releio o último tweet do Chávez…
Há 11 anos